terça-feira, 31 de março de 2009

Vento de Março

Dos Lados do Mar
Como Pelléas, também o vento de março
vem dos lados do mar.
Há nele uma aspereza de que sempre
gostei: a da fala
dos homens que estendem as redes
no sol dos varais, a dos frescos
de Siena onde também
passou um vento frio ao anoitecer
- o das escarpas de Alpedrinha,
que sempre, sempre, me escapava
entre os dedos e deixava nos cabelos
um cheiro à matinal luz da resina.
O que entrou pela janela
esta manhã e me bate na cara
traz o aroma das dunas,
cheira a barcos, ferrugem, alcatrão.
É o vento da Cantareira.

Eugénio de Andrade

domingo, 29 de março de 2009

Paciência


Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma. Até quando o corpo pede um pouco mais de alma. A vida não para. Enquanto o tempo acelera e pede pressa. Eu me recuso faço hora vou na valsa. A vida é tão rara. Enquanto todo mundo espera a cura do mal. E a loucura finge que isso tudo é normal. Eu finjo ter paciência. O mundo vai girando cada vez mais veloz. A gente espera do mundo e o mundo espera de nós. Um pouco mais de paciência. Será que é o tempo que lhe falta pra perceber. Será que temos esse tempo pra perder. E quem quer saber. A vida é tão rara (tão rara). Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma. Mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma. Eu sei, a vida não para (a vida não para não). Será que é tempo que me falta pra perceber. Será que temos esse tempo pra perder. E quem quer saber. A vida é tão rara (tão rara). Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma. Até quando o corpo pede um pouco mais de alma. Eu sei, a vida não para (a vida não para não... a vida não para).

Lenine

sexta-feira, 27 de março de 2009

Bom dia camaradas...

Era de noite, estávamos a conversar na varanda, a tia Dada e eu. Ela estava a contar-me como tinham sido as férias dela em Luanda, as coisas que ela tinha feito, os sítios que ela tinha ido enquanto eu estava nas aulas. Ela ia-se embora no dia seguinte, e já há alguns dias que não falávamos, então estávamos mesmo a pôr a conversa em dia, mas, claro, naquele caso era pôr a conversa na noite.
Noite tem cheiro, sim. Pelo menos aqui em Luanda, na minha casa, com este jardim, noite tem cheiro. Eu já vi na televisão umas plantas que só abrem de noite, eu chamo-lhes planta-morcego, e eu não sei se aqui neste jardim tem planta-morcego mas, que a noite traz outros cheiros para esta varanda, lá isso traz.
Se isto que eu vou dizer existe, então aquela noite tinha um cheiro quente, que pode ser uma coisa, imaginem, onde se ponha rosas muito encarnadas, folhas de trepadeira com um bocadinho de poeira, muita relva, barulho de grilos, barulho de lesmas a andar em cima da baba, barulho de gafanhotos, um só barulho de cigarra, um cacto pequeno, fetos verdes, duas folhas grandes de bananeira e um tufo enorme de chá de caxinde, assim tudo bem espremido, eu acho que ia sair o cheiro desta noite.

– Cheira tão bem aqui... – a minha tia disse.
– São as plantas-morcego...
– Que plantas são essas?
– São plantas que gostam mais de existir de noite, assim como os morcegos...
– Ahn... – ela cheirou o ar. – E aqui também há mosquitos-morcego... são aqueles que gostam muito de morder de noite... – rimos juntos, ela teve piada.
– Tia...
– Diz, filho.
– Tu sabes porquê que os mosquitos picam tanto?
– Não, filho, porquê que eles picam tanto?
– É porque têm sede! – olhei para ela. – E sabes porquê que têm sede?
– Porquê?
– Porque, como deves saber, os mosquitos nascem nos charcos de água...
– Sim... E?
–Então como eles nascem na água quando estão a voar lembram-se sempre de casa, quer dizer, dessa primeira casa, a água... então eles mordem-nos à procura de água...
– E não encontram...
– Sim, mas se não há melhor, bebem sangue... – expliquei, sério.
– Quem te contou isso, filho?
– Ninguém me contou tia, eu é que sei...
Ondjaki

quinta-feira, 26 de março de 2009

Batuque



Marimbas, ngomas, zabumbas,
guizos, quissanges, chigufos...
Batuque doido – loucura
regada pelos marufos...

Bailados sensuais, ardentes;
perturbante orquestração;
canções sentidas, dolentes,
que brotam do coração.

E aquela negra, que dança
mais esbelta e mais torcida,
é mesmo a imagem do Sonho
fazendo bailar a vida!

O batuque me atordoa.
E eu me encanto e me confundo
Nesta loucura que voa
e soa longe do mundo...

E sinto dentro da alma
este batuque sem fim!
Eu sinto bem o batuque
a gritar dentro de mim!

Geraldo Bessa Víctor (Angola)

sexta-feira, 20 de março de 2009

Primavera


GLÓRIA
Depois do Inverno, morte figurada,
A primavera, uma assunção de flores.
A vida
Renascida
E celebrada
Num festival de pétalas e cores.

Miguel Torga

quinta-feira, 19 de março de 2009

Voandooooooo...



"Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre."

Clarice Lispector

Dia do Pai



É com saudade e carinho que lembro o meu pai, deixo aqui um grande beijo para ele.