terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Dezembro




Era em Dezembro que Lídia sentia mais a falta de Luanda. Em Dezembro faz frio nas ruas de Lisboa. Uma chuva de teias de aranha prende-se à roupa e ao cabelo. As pessoas ficam mais amargas. Em Luanda, pelo contrário, o vigor da natureza contagia tudo. O sol arde. Os pássaros cantam de euforia. Dezembro é um mês de risos e calor - o bom calor do chão. Os homens sentam-se à sombra a beber cerveja. Conversam longamente. As comadres perdoam-se ofensas antigas. Há um esplendor de acácias rubras pelas ruas. As estrelas, como diamantes, enfeitam as noites de um brilho novo.
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José Eduardo Agualusa
Estação das Chuvas

sábado, 20 de agosto de 2011

Uma Cerveja no Inferno



Lancei cordas de campanário a campanário; grinaldas de janela a janela; cadeias de ouro de estrela a estrela, e danço.
Jean-Arthur Rimbaud ( Iluminações/ Uma Cerveja no Inferno)


Imagem da net

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Perturbação...


Quando estou, quando estou apaixonado
Tão fora de mim eu vivo
Que nem sei se estou vivo ou morto
Quando estou apaixonado.

Não pode a fera comigo
Quando estou, quando estou apaixonado,
Mas me derrota a formiga
Se é que estou apaixonado

Estarei quem, e entende, apaixonado
Neste arco de danação?
Ou é a morta paixão
Que me deixa, que me deixa neste estado?


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 10 de abril de 2011

Miró


".....Procurava o essencial ou, melhor, o essencial saía-lhe das mãos como que por milagre. O essencial da cor, do desenho, da escrita. Porque Miró foi um dos pintores/escultores que, pintando ou esculpindo, mais escreveu. E que escreveu ele? Que tudo pode ser promovido, por toques de mágica, à categoria de objecto de arte, que nada é canónico, que arte e vida estão de tal modo entrosadas que é impossível saber onde acaba uma e começa a outra. A sua imaginação nem era imaginação, era um ritual de homenagem ao mundo maravilhoso que o rodeava.........É que ele sabia, como ninguém, que o homem é filho do menino."

Alexandre O'Neill (Uma coisa em forma de Assim- Miró, mirones ).

segunda-feira, 28 de março de 2011

em água...


Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa. Esses instantes que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício eles espocam mudos no espaço. Quero possuir os átomos do tempo. E quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já.


Y


Água Viva, de Clarice Lispector



Foto de: Ana Barros

segunda-feira, 14 de março de 2011

Quadras da minha solidão

Fica longe o sol que vi,
aquecer meu corpo outrora...
Como é breve o sol daqui!
E como é longa esta hora...

Donde estou vejo partir
quem parte certo e feliz.
Só eu fico. E sonho ir,
rumo ao sol do meu país...

Por isso as asas dormentes,
suspiram por outro céu.
Mas ai delas! tão doentes,
não podem voar mais eu...

que comigo, preso a mim,
tudo quanto sei de cor...
Chamem-lhe nomes sem fim,
por todos responde a dor.

Mas dor de quê? dor de quem,
se nada tenho a sofrer?...
Saudade?...Amor?...Sei lá bem!
É qualquer coisa a morrer...

E assim, no pulso dos dias,
sinto chegar outro Outono...
passam as horas esguias,
levando o meu abandono...

Y
Alda Lara
Luanda - Imagem tirada da Net

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Pétalas

aprecio muito a redondez do mundo,
flores e pétalas
apontadas numa direcção amarela
verdades doces como magas
[gosto de mangas com fio - dão sorrisos amrelos]
um dia veio o vento e as pétalas esvoaçaram.
ficou triste a flor
ficaram livres as pétalas.

Y

Ondjaki
"Materiais para a Confecção de um Espanador de Tristezas", p.47